quarta-feira, 25 de março de 2009

Aumento de suicídios no Japão preocupa governo


Ewerthon Tobace
São Paulo



O aumento no número de suicídios neste início de ano e o profundamento da crise econômica estão causando grande preocupação no Japão. Em janeiro houve um aumento de 15% no número de casos em comparação com o mesmo mês no ano anterior. Segundo fontes do governo, a preocupação neste ano é maior por causa da crise econômica que afetou seriamente o país no final de 2008.

Pessoas que perderam o emprego nos últimos meses do ano passado começam a passar por dificuldades agora, após o fim do seguro-desemprego.

O benefício é pago por no mínimo três meses a assalariados despedidos e pode ser recebido, dependendo da faixa etária e de outros fatores, por até um ano. Muitos dos que perderam o emprego em novembro de 2008, por exemplo, devem ter recebido a última parcela do seguro agora em março.

O final de março é considerado pelas autoridades e especialistas um período crítico. Chamado na literatura psiquiátrica local de "problema de março", o pico no número de mortes coincide com os exames vestibulares e início da temporada de contratações. Muitos dos que ficam de fora do sistema, sem outras perspectivas, optam por acabar com a própria vida.

Somente em janeiro deste ano, segundo dados divulgados pela Agência Nacional de Polícia, foram registrados 2.645 suicídios. Isto representa um aumento de 15% em relação ao mesmo mês do ano passado, quando foram notificados 2.305 casos.

Em 2008, o número total ficou próximo dos 32 mil, ultrapassando a marca dos 30 mil pelo 11º ano consecutivo. No ano anterior, foram registrados 33.093.

A média nacional é de um suicídio a cada 20 minutos. Nas piores épocas, o tempo entre uma morte e outra cai para até 15 minutos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, entre os países ricos o Japão está em segundo no ranking de suicídios, atrás da Rússia. Lá, a média de suicídios é de 40 a cada 100 mil pessoas. No Japão a média é de 24 e, no Brasil, cinco.

A província de Yamanashi é a campeã entre os lugares onde ocorrem suicídios no Japão. Em 2008, a média foi de 40,8 a cada 100 mil pessoas. A explicação é a existência da floresta Aokigahara, também conhecida como "floresta dos suicidas", considerada o segundo lugar mais famoso do mundo para se matar - atrás somente da Ponte Golden Gate, em São Francisco, nos Estados Unidos.

Pessoas de várias partes do Japão adentram todos os meses a densa floresta e se matam por lá. Parte da popularidade é por causa de um romance chamado Kuroi Jukai (Mar Negro de Árvores, numa tradução livre). A história termina com o casal de namorados se suicidando naquela floresta.

Desde 1950, o local registra todos os anos ao menos 30 suicídios. O governo da província tem investido nos últimos anos em projetos para diminuir o número de mortes e perder o título nada agradável.

"O fato de as pessoas estarem perdendo o emprego nos preocupa muito", admitiu à BBC Brasil Yumi Kimura, 34 anos, chefe do Departamento de Estudos Vitalícios do governo de Yamanashi. "Por isso, começamos uma campanha de prevenção na região com distribuição de pôsteres e cartazes com informações sobre onde procurar ajuda", contou.

O material pode ser encontrado nos táxis, pontos turísticos e hotéis da região. "Também criamos uma rede de comunicação com os moradores locais, que voluntariamente tomam conta dos arredores de suas moradias", disse Yumi. Caso o morador perceba alguma atitude estranha de visitantes, ele comunica a central.

O governo central também trabalha para evitar suicídios no país. O objetivo é reduzir em até 20% o número de suicídios até 2016. Entre as medidas estão o treinamento de conselheiros e o apoio a organizações sem fins lucrativos. Também existe um projeto de realização de palestras de alerta em escolas e empresas.

Porém, o problema é de difícil solução, pois o suicídio é visto como uma opção honrosa pela sociedade japonesa em geral, principalmente nos casos de homens que não conseguem mais garantir o sustento da família e daqueles acusados de corrupção.

Historicamente, a tradição samurai de se matar em nome da honra e o caso dos camicases, que faziam operações suicidas na Segunda Guerra Mundial, dão respaldo ao suicídio. Além disso, as principais religiões do país, o budismo e o xintoísmo, são neutras em relação ao assunto.
Além do governo, algumas empresas têm criado projetos para tentar conter os suicidas. A Companhia Ferroviária Keihin Electric Express, por exemplo, instalou no ano passado, em algumas plataformas de suas estações de trem, uma lâmpada de cor azul. A cor teria o poder de "acalmar" as pessoas. Segundo a empresa, desde que as lâmpadas foram trocadas, há 11 meses, não ocorreram mais suicídios naquelas plataformas. Outras companhias ferroviárias estão seguindo o exemplo e também começaram a instalar as lâmpadas azuis para realizar um período de experiência.

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Fonte: http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI3657515-EI8143,00-Aumento+de+suicidios+no+Japao+preocupa+governo.html

segunda-feira, 23 de março de 2009

Morte voluntária


Morte voluntária


Analisar as causas do suicídio e achar formas de prevenção é um enigma, mas possível, segundo especialistas

Por Lílian Cardoso


Depressão é um dos fatores que pode desencadear o desejo suicida, tal como Transtorno Afetivo Bipolar


Mahnaz tinha 6 anos quando sua mãe jogou gasolina nela, nos dois irmãos e em si própria. Queria todos mortos. Estava cansada das traições do marido, mais ainda de apanhar quando reclamava. Seria uma maneira de puni-lo e de mostrar que, assim como ele, era capaz de atitudes extremas. Até hoje, Mahnaz não se recorda do que aconteceu naquele dia, só que em momento algum teve medo, apenas pena da mãe, que chorava muito e acabou indo embora para a casa de seus pais, deixando-os sozinhos e encharcados de combustível".


O apelo nestas primeiras linhas não é literário. A história - uma mostra da realidade que atormenta muitos lares - é verídica. A Organização Mundial da Saúde calcula que, diariamente, cerca de 60 mil pessoas tentam se matar. Aproximadamente 3 mil conseguem. O número de suicídios cresceu em 60% nos últimos 45 anos. Mas mesmo considerado como um grave problema de saúde pública mundial, o tema ainda é tratado como tabu.


O mistério que envolve o ato faz filósofos, psiquiatras e psicólogos se debruçarem na angustiante busca de porquês. É um caminho árduo de respostas e considerações. Analisar de fato o termo "suicídio" e não encará-lo de forma preconceituosa ou romanceada - como foi feito em Os sofrimentos do jovem Wherter, de Johann Wolfgang von Goethe - é tarefa dificílima.


A jornalista pernambucana Paula Fontenelle é um dos raros exemplos, no Brasil, de quem encarou essa missão, enfrentou o tema e não excluiu qualquer detalhe da própria dor. Foram três anos de pesquisa até concluir Suicídio - O futuro interrompido, obra que foi lançada em outubro de 2008 pela editora Geração Editorial, de São Paulo.


Assim como Mahnaz - que por sorte escapou da morte - Paula, que narra esta história nas primeiras páginas do livro, sentiu na própria pele a herança do suicídio. Em 2005 o pai se matou com um tiro na cabeça. Chocada com a tragédia familiar e inconformada, a jornalista iniciou uma pesquisa. "Num momento deste, a gente quer respostas, quer entender o que leva alguém a tirar a própria vida. Fica um buraco e uma busca insaciável por informação", descreve.


Paula recorreu às obras de Durkheim, Freud, Aristóteles, além da leitura de várias e recentes publicações estrangeiras. A jornalista também resgatou a história do pai em um dos capítulos da sua obra - certamente o mais difícil, pois analisa o problema a partir do próprio drama. "A idéia inicial era ajudar as pessoas que vivem o que passei, mas depois que estudei bastante vidao assunto pude enxergar outra possibilidade: a de evitar o suicídio. Como? Identificando os sinais e se aproximando, de forma direta, da pessoa em risco. O que nos falta é informação e é essa lacuna que quero preencher", revela Paula que entrevistou inclusive o psicólogo norte-americano Edwin Schneidman, conhecido como o pai da suicidologia moderna e responsável pela abertura, na década de 1960, do primeiro centro de prevenção ao suicídio nos Estados Unidos.

Vida em Morte
Cerca de 1 milhão de pessoas morrem por ano em decorrência do suicídio. Ou seja, perde- se mais vida com suicídio anualmente do que em todas as guerras e homicídios no mundo. Ainda segundo a OMS, se a prevenção não passar a ser encarada seriamente, esta fatalidade pode chegar a 1,5 milhão em 2020 e de 10 a 20 vezes mais em termos de tentativas.


A previsão significa uma morte a cada 20 segundos e uma tentativa a cada um ou dois segundos. Este índice representa um crescimento de 74% em relação às 877 mil mortes voluntárias registradas em 2002. Nos relatórios mundiais, o suicídio está entre as três maiores causas de morte na faixa etária de 15-44 anos. A cada ano, aproximadamente 100 mil adolescentes se suicidam no mundo.


As taxas mais altas estão no Leste Europeu, particularmente os que faziam parte da União Soviética. As mais baixas estão na América Latina, nos países islâmicos e em alguns países asiáticos. Mas os números servem apenas como referência, porque não se sabe até que ponto a subnotificação - inclusive no Brasil - impacta os índices mundiais. Em relação aos países africanos não há um registro específico sobre a incidência de suicídio, são poucas as informações e pesquisas divulgadas nesse continente.


Fatores de Risco
A Organização Mundial da Saúde estima que 60 mil pessoas tentam se matar, e que 3 mil têm êxito


Quando sabemos que alguém se suicidou, a primeira pergunta que vem à nossa mente é 'por quê'? E a resposta, normalmente, é vazia. Vazia no sentido em que não diminui nossa indignação, nossa dificuldade em compreender que alguém desistiu da vida. Na verdade, muito já foi pesquisado sobre o assunto e a principal conclusão desses estudos é que em mais de 90% dos casos de suicídio, existe um transtorno mental associado.


Em 2002, a Organização Mundial da Saúde realizou um levantamento em diferentes regiões do mundo. Em quase 16 mil suicídios, em apenas 3% não foi possível fazer um diagnóstico psiquiátrico. No topo da lista vem a depressão. Normalmente a doença ou não foi diagnosticada ou o tratamento não foi seguido (ou prescrito) adequadamente. Mas é preciso deixar claro que a doença não é uma sentença de morte, ao contrário, apenas uma média de 15% daqueles que apresentam depressão grave se suicidam.


Embora a depressão esteja no topo da lista, algumas doenças psíquicas também podem aumentar o risco de suicídio. É o caso do Transtorno Afetivo Bipolar, caracterizado por alternâncias entre fases de mania (hiperatividade) e depressão. O TAB afeta cerca de 1,5% das pessoas. Entre 20% a 50% dos doentes tentam suicídio. Portanto, se essas doenças forem diagnosticadas e tratadas com seriedade, o suicídio pode ser prevenido.

" Perde-se mais vida com suicídio anualmente do que em todas as guerras e homicídios no mundo "


Um tema silencioso
No Brasil, onde prevenção de suicídios ainda não é tratada como prioridade, o tema é pouco discutido. O motivo talvez seja a prioridade que é dada à violência urbana. Enquanto de 3 a 4 mil pessoas morrem anualmente por suicídio, o País registra cerca de 45 mil assassinatos no mesmo período.


Mas isto é apenas parte do problema. O medo e o desconhecimento também estimulam o silêncio, seja das autoridades responsáveis pelos registros de óbito, seja a própria sociedade que ainda se cala diante da morte voluntária. Em alguns casos a própria família pede que a real causa mortis seja camuflada por eufemismos como "acidente com arma de fogo", entre outros.
No que diz respeito aos números, o Brasil segue os padrões mundiais, três mortes de homens para cada mulher e elevação nos índices de morte voluntária nos jovens entre 15 e 24 anos. Nessa faixa etária, as taxas entre 1980 e 2000 foram multiplicadas por dez, passando de 0,4 para 4.


Na opinião de Paula Fontenelle, a sociedade ainda não está pronta para este debate, e isso inclui o poder público, mas é preciso que alguém dê o pontapé inicial. "No Brasil, a violência urbana é o grande vilão das mortes, mesmo assim pouco é feito para solucionar o problema. Por trás desta atitude está o medo de encarar o suicídio como um fato, assim como vemos hoje tratarem a depressão que antes era igualmente tabu".


Um dos capítulos do livro trata da postura da mídia em relação ao suicídio, uma postura também distanciada e superficial. O motivo é o receio de que a publicação de reportagens estimule o que os especialistas chamam de 'contágio'. "É verdade que isso pode ocorrer, mas o silêncio não ajuda. O que nós jornalistas precisamos é abordar a morte voluntária de forma responsável e não sensacionalista. Temos uma imensa responsabilidade em tratar o assunto adequadamente para ajudar na prevenção", defende.


A família e os amigos têm de estar atentos aos sinais de comportamento suicida. Muitas vezes o indivíduo dá pistas de que irá se matar.


Mitos sobre suicídio
Durante três anos de pesquisa, a autora identificou alguns mitos que norteiam o tema e, nas entrevistas, procurou esclarecimento para cada um deles. Em capítulo específico, Paula listou as dez principais inverdades e analisou uma a uma baseada em considerações de especialistas. "Quem vive ameaçando se suicidar nunca o faz". Segunda a autora, este é o mito mais difundido.
De fato, as pesquisas mundiais indicam que mais de 90% daqueles que tiram a própria vida dão sinais de que irão fazê-lo, entre eles, a verbalização de que não querem mais viver. O comportamento autodestrutivo, as palavras de desesperança sempre se apresentam como pedidos de ajuda. "Mas é preciso que exista alguém do outro lado que identifique os sinais, enxergue o sofrimento do outro e parta para a ação", explica.


A crença de que quem diz não faz é ainda mais recorrente quando vem de um jovem, porque é visto como algo característico de adolescentes, seja na forma de exagero nas emoções ou ainda uma maneira para chamar a atenção. A simples verbalização de querer morrer, normalmente já é um sinal de que há algo a ser investigado.


Outro mito em destaque é acreditar que ao perguntar a alguém se ele ou ela está pensando em se matar você pode estimular essa pessoa a fazê-lo. Ao contrário. O que dizem os especialistas é que se você estiver desconfiando da intenção de alguém, deve abordá-lo da forma mais direta possível perguntando se ele já pensou nisso e se já chegou a planejar o ato. É desta forma que você irá saber a gravidade da situação.


No caminho da prevenção
A grande questão por trás do suicídio é o que fazer - ou mesmo, se há o que fazer - quando uma pessoa chega ao ponto de desistir da vida. Há quem procurar? Depressão, angústia, medo, desamparo, apatia. Estes são os sentimentos que corroem um ser humano até que tudo deixa de fazer sentido. É nesse momento que o suicídio surge como única saída. É o que os especialistas chamam de "afunilamento" das percepções, muito comum em níveis avançados de depressão.
Como ajudar nesses casos? Se aproximando da pessoa, conversando abertamente e a encaminhando a um tratamento adequado. De início, o indicado é tentar entender onde dói, o que o incomoda, o porquê do indivíduo não enxergar outras saídas. Em seguida, procure ampliar sua percepção apontando para opções que ele não consegue ver.

No caso do suicídio, o termo "prevenção" adquire um significado diferente, porque não se trata de um processo preventivo qualquer. A trajetória inclui a identificação de sinais verbais e não-verbais sutis que já indicam certa gravidade no quadro de quem os expressa e é preciso agir rapidamente. Ou seja, não se trata de evitar uma "doença" antes que ela apareça, e sim de estancar um processo já em evolução.